

Veto já ao projeto que acaba com as cotas raciais em SC
Na Assembleia Legislativa de Santa Catarina foi aprovado um dos projetos mais violentos contra a democracia, a educação pública e os direitos humanos que já passaram por aquele plenário. O PL 0753/2025 não é apenas um equívoco técnico. É um ataque direto às populações que historicamente foram mantidas fora da universidade.
O que esse projeto faz é proibir o Estado de combater desigualdades. Ele veda que instituições de ensino superior públicas, ou que recebam verbas públicas no âmbito do Estado de Santa Catarina, adotem políticas de reserva de vagas, cotas ou outras ações afirmativas para ingresso de estudantes e contratação de docentes e técnicos. Ao mesmo tempo, o texto prevê sanções às instituições que insistirem em manter essas políticas.
No parágrafo único, o projeto tenta se apresentar como “equilibrado” ao excluir da proibição apenas três situações: a reserva de vagas para pessoas com deficiência, a reserva baseada em critérios exclusivamente econômicos e a reserva para estudantes oriundos de escolas públicas estaduais de ensino médio. Ou seja, mantém as cotas socioeconômicas e de pessoas com deficiência, que já existem, mas proíbe justamente as cotas raciais, indígenas, quilombolas e de gênero, além de engessar qualquer nova ação afirmativa que venha a ser construída pelas instituições de ensino superior.
É um projeto que tenta apagar a história. Ignora séculos de exclusão, ignora o racismo estrutural, ignora a violência que o próprio Estado produziu e segue produzindo contra seus cidadãos. E, depois, apresenta como se fosse “igualdade” uma falsa neutralidade, como se todas as pessoas partissem do mesmo ponto.
Isso não é igualdade. Isso é desigualdade travestida de neutralidade.
Esse ataque às cotas raciais acontece em um estado que, historicamente, se vendeu como “branco”, mas que vive uma transformação importante. Entre 2010 e 2022, Santa Catarina foi o estado brasileiro com maior crescimento proporcional de população negra, passando de pouco mais de 15% para cerca de 23% de pessoas pretas e pardas. Ao mesmo tempo, pretos e pardos são maioria nas favelas urbanas, onde a vulnerabilidade é maior e o acesso a serviços públicos é menor.
No Brasil como um todo, os dados também mostram a desigualdade gritante no acesso ao ensino superior. Uma parcela muito menor da população negra consegue concluir a faculdade quando comparada à população branca. As cotas raciais e outras ações afirmativas foram justamente uma resposta concreta a esse cenário, ampliando a presença da população negra e de outros grupos historicamente excluídos nas universidades e faculdades.
Ao dizer que Santa Catarina não pode ter cotas raciais, indígenas, quilombolas ou de gênero nas instituições de ensino superior públicas e nas que recebem verbas públicas do Estado, o projeto nega essa realidade. Nega o que o Supremo Tribunal Federal já decidiu ao reconhecer a constitucionalidade das políticas de cotas raciais nas universidades e de ações afirmativas no serviço público, afirmando que elas são uma resposta necessária a séculos de escravidão e ao racismo estrutural.
O projeto também fere a autonomia universitária, garantida pela Constituição, ao tentar impedir que universidades e demais instituições públicas de ensino superior definam com liberdade suas políticas de inclusão, permanência e enfrentamento das desigualdades.
Este projeto não melhora a educação.
Este projeto não aumenta vagas.
Este projeto não combate evasão.
Este projeto não enfrenta desigualdades.
Este projeto só pune, só exclui, só retrocede.
As instituições públicas de ensino superior catarinenses são patrimônio do povo. Não podem ser transformadas em instrumentos de exclusão, nem voltar a ser espaços reservados para poucos. Dizer à juventude negra, indígena e quilombola, justamente agora que começa a ocupar a universidade, que o Estado quer acabar com as cotas raciais é escolher quem pode ou não ter futuro.
Por tudo isso, nós, abaixo-assinados, afirmamos: este projeto é cruel, injusto e inconstitucional em seus efeitos. Ele aprofunda o racismo estrutural, ataca diretamente as cotas raciais e tenta impedir ações afirmativas nas instituições de ensino superior públicas e financiadas com recursos do Estado em Santa Catarina, mantendo apenas as cotas socioeconômicas e de pessoas com deficiência que já existem.
Agora, a responsabilidade está nas mãos do governador do Estado. Sancionar esse projeto é escolher fechar portas. Vetá-lo é escolher manter vivo o caminho de reparação, inclusão e democratização do ensino superior.
Defender o veto é defender o direito de jovens negros, indígenas, quilombolas e de baixa renda chegarem às instituições públicas de ensino superior. É defender a continuidade e o fortalecimento das cotas raciais e de outras ações afirmativas. É defender a autonomia das instituições de ensino superior. É afirmar que Santa Catarina não aceitará voltar para o século passado, nem aceitará um Estado que escolhe quem pode ou não ter futuro.
Fazemos este chamado público ao governador: vete integralmente o PL 0753/2025.
E fazemos um chamado à sociedade catarinense: assine, compartilhe, converse com colegas, familiares, vizinhos, com as pessoas da sua comunidade e da universidade. Pressionar pelo veto é dizer que as instituições de ensino superior são lugar de diversidade, democracia e justiça, e que as cotas raciais são parte essencial dessa construção.
As cotas permanecerão.
A dignidade permanecerá.
A luta pela igualdade permanecerá.
Cotas raciais são reparação histórica.
Veto já ao projeto que acaba com as cotas raciais nas instituições de ensino superior públicas e financiadas com recursos do Estado em Santa Catarina.